Publicidade
Brasil

Raio-X de Atalaia do Norte, onde indigenista e jornalista morreram

Município tem um dos piores IDHs do Brasil e é reconhecido por ser "rota" do tráfico de drogas

Imagem da noticia Raio-X de Atalaia do Norte, onde indigenista e jornalista morreram
Imagem de divulgação da entrada da cidade de Atalaia do Norte, no interior do Amazonas
• Atualizado em
Publicidade

Desde o último dia 5, Atalaia do Norte, no interior do Amazonas, tem sido notícia na imprensa nacional e internacional. Isso porque foi em território pertencente ao município amazonense, que fica no extremo oeste do Brasil, que o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips foram assassinados. Esse, porém, está longe de ser o único fato negativo relacionado à cidade, que, entre outros problemas, lida há anos com problemas sociais e é vista como parte da "rota" do tráfico internacional de drogas.

+ Leia as últimas notícias no portal SBT News

Cruzada por rios e sem malha rodoviária que a ligue diretamente a outros centros urbanos, Atalaia do Norte está na área de fronteira do Brasil com o Peru - e a poucos quilômetros de distância da parte fronteiriça com a Colômbia. Por causa disso, a região é considerada estratégica para organizações criminosas que lidam com o tráfico de entorpecentes - que entram no país por meio da Amazônia e são levados para metrópoles nacionais e internacionais.

Com isso, mesmo antes do assassinato de Bruno e Phillips, a cidade do Amazonas chamava a atenção de autoridades em decorrência de crimes vinculados ao tráfico. Em 2013, por exemplo, o então superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Eduardo Fontes, demonstrou preocupação: o lado do Peru na fronteira com o Brasil estava tomado por plantações de coca (que serve para a produção da cocaína).

"É um prejuízo ambiental irreparável, uma ameaça séria."

"Vemos que não tem mais florestas no lado peruano. É só plantações de coca", declarou, na ocasião, o delegado. "É um prejuízo ambiental irreparável, uma ameaça séria. Mas, ainda não é maior do que fazem os grileiros e madeireiros responsáveis pelo desmatamento ilegal no Brasil", disse Fontes, conforme registrou o site Amazônia Real.

O jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira | Reprodução

Cinco anos após o relato de um superintendente da PF, os problemas no município que fica a mais de mil quilômetros de Manaus persistiam. Em 2018, o site do jornalista Marcos Santos informou que até os vereadores de Atalaia do Norte estavam assustados com os "altos índices de violência e tráfico de drogas". Com isso, os parlamentares locais pediram ajuda à Assembleia Legislativa do Amazonas, que prometeu colaborar nos trabalhos de segurança.

Mais anos se passaram e o tráfico de drogas seguiu ativo na cidade. Em 10 de junho de 2021, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas informou que dois homens foram presos pela Polícia Militar. Eles estavam, segundo informações divulgadas pela pasta, "em posse de 25 porções de substâncias entorpecentes". Um dos detidos na ocasião era peruano. Com esse histórico, a agência alemã Deutsche Welle classificou, neste mês, a região como "terra sem lei".

Próximo a plantações de coca, a região tornou-se atrativa para criminosos do Sudeste brasileiro. É o que aponta o cientista social formado pela Universidade Federal do Amazonas, Celso Corsino. "Isso reflete na juventude [sem perspectivas e na mira do crime organizado] e na falta de recursos por parte das forças de segurança pública", disse em contato com o SBT News.

Crimes contra povos indígenas

O tráfico de drogas não é, entretanto, o único tipo de crime a imperar em Atalaia do Norte. Boa parte do município está inserida na Terra Indígena Vale do Javari, o que, em tese, serviria para manter a segurança dos povos indígenas. Contudo, a prática é outra. As comunidades são alvo de garimpeiros e de pescadores (sendo que, por lei, a pesca no local é proibida). A sede da Fundação do Índio (Funai) na região serve de símbolo nesse sentido. O local alvo de oito ataques armados em menos de um ano, de novembro de 2018 a setembro 2019.

Bruno Araújo Pereira era, inclusive, servidor de carreira da Funai, de onde estava de licença - não remunerada - desde outubro de 2019. Nos últimos anos, ele vinha apoiando a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que tem base justamente em Atalaia do Norte. A entidade foi uma das primeiras a divulgar que o indigenista e o jornalista Dom Phillips estavam desaparecidos - tendo sido vistos pela última vez nas proximidades da comunidade São Rafael.

A Terra Indígena Vale do Javari pega parte de Atalaia do Norte e de outros três municípios do Amazonas: Benjamin Constant, Jutaí e São Paulo de Olivença. Ao todo, a região abriga mais de 6,3 mil indígenas, de 26 grupos diferentes:

  1. Isolados do Alto Jutaí;
  2. Isolados do Igarapé Alerta;
  3. Isolados do Igarapé Amburus;
  4. Isolados do Igarapé Cravo;
  5. Isolados do Igarapé Flecheira;
  6. Isolados do Igarapé Inferno;
  7. Isolados do Igarapé Lambança;
  8. Isolados do Igarapé Nauá;
  9. Isolados do Igarapé Pedro Lopes;
  10. Isolados do Igarapé São José;
  11. Isolados do Igarapé São Salvador;
  12. Isolados do Jandiatuba;
  13. Isolados do Rio Bóia/Curuena;
  14. Isolados do Rio Coari;
  15. Isolados do Rio Esquerdo;
  16. Isolados do Rio Itaquaí;
  17. Isolados do Rio Pedra;
  18. Isolados do Rio Quixito;
  19. Isolados Korubo;
  20. Kanamari;
  21. Korubo;
  22. Kulina Pano;
  23. Marubo;
  24. Matis;
  25. Matsés;
  26. Tsohom-dyapa.
Mais de 20 povos indígenas vivem na reserva Vale do Javari | Reprodução/Site Terra Indígena Vale do Javari

Atalaia do Norte: problemas sociais

Município desde 1955, quando se emancipou de Benjamin Constant, Atalaia do Norte convive desde sempre com problemas sociais e econômicos. Nesse sentido, tem vez no pódio de piores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do país. Está na terceira colocação, à frente somente de Fernando Falcão (MA) e Melgaço (PA).

Com 0,450, conforme dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o IDHM de Atalaia do Norte é considerado baixo. Para efeitos comparativos com IDH de países, o da cidade amazonense seria o oitavo pior do mundo, atrás de Serra Leoa (0,052) e à frente de Mali (0,434).

O IDH -- ou IDHM, no caso de municípios -- serve para indicar se serviços como saúde e educação funcionam em estado pleno. No caso de Atalaia do Norte, outros indicadores reforçam que há problemas a serem resolvidos pelo poder público. Em 2010, quando o painel do IBGE recebeu sua última atualização, a cidade de mais de 20 mil habitantes tinha 65,5% de escolarização (na faixa de seis a 14 anos de idade).

De acordo com relatório apresentado em julho de 2021 pela Secretaria de Assistência Social do Amazonas, o município onde Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips desapareceram -- e consequentemente tiveram as mortes confirmadas -- tem quase metade de sua população inserida na extrema pobreza. O levantamento apontou que 9.035 pessoas estão nessa condição.

Na parte residencial, outras informações chamam a atenção - de forma negativa - para a cidade amazônica. A maioria dos domícilios era, em julho do ano passado, de madeira. Moradias com água encanada eram, por outro lado, minoria: apenas 32,69% tinham acesso a esse recurso, que ajuda a mostrar que o apelido "Pérola do Javari" está longe de fazer sentido para Atalaia do Norte.

Atalaia do Norte: muitas casas de madeira, poucas casas com água encanada | Reprodução/Secretaria de Assistência Social do AM

Saiba mais:

+ Em depoimento, pescador disse que corpos de desaparecidos foram queimados

+ "Me processam por tudo", diz Bolsonaro sobre desaparecimentos na Amazônia

+ Suspeito de assassinato de desaparecidos é levado para audiência de custódia

Publicidade

Últimas Notícias

Publicidade