AGU diz ao Supremo que governo enfrenta barreiras para impedir uso do Bolsa Família em bets
Entre os desafios apontados estão a impossibilidade de distinguir os recursos dos benefícios sociais de outras fontes nas contas dos beneficiários
Warley Júnior
A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), nessa quinta-feira (12), para esclarecer pontos de uma decisão que obriga o governo a adotar medidas contra o uso de recursos de programas sociais, como o Bolsa Família, em apostas esportivas online, as chamadas "bets". A decisão foi proferida pelo ministro Luiz Fux em novembro e referendada, por unanimidade, pelo plenário do Supremo.
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No recurso, a AGU destacou as dificuldades práticas e operacionais para implementar as medidas exigidas.
"As áreas técnicas das pastas ministeriais e órgãos federais competentes apresentaram manifestações que evidenciam os obstáculos para o cumprimento da decisão embargada", afirma.
Entre os desafios apontados estão a impossibilidade de distinguir os recursos dos benefícios sociais de outras fontes nas contas dos beneficiários e as limitações impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Além disso, o recurso questiona a abrangência da decisão, pedindo esclarecimentos sobre se benefícios estaduais também estão sujeitos à proibição e quais seriam as responsabilidades dos Estados.
“Tendo-se em vista a existência de apostas de quotas fixas no âmbito estadual, faz-se necessário esclarecer o direcionamento dos Estados-membros no que diz respeito às suas atribuições”, argumenta.
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A decisão de Luiz Fux
Na época, Luiz Fux detalhou que a decisão "tem caráter liminar" e deve ser "submetida ao referendo do plenário do Supremo Tribunal Federal, independentemente de sua eficácia imediata", o que ocorreu com unanimidade.
"Determino, ainda, ao Ministério da Fazenda, autoridade competente nos termos da Lei n. 14.790/2023, a implementação de medidas imediatas de proteção especial que impeçam a participação nas apostas de quota fixa com recursos provenientes de programas sociais e assistenciais; como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e congêneres", diz trecho da decisão de Fux.
Argumentos do governo
A Advocacia-Geral da União reuniu ainda manifestações de diferentes órgãos do governo, que apontaram obstáculos técnicos e operacionais após a decisão judicial. A Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, por exemplo, argumentou que
" as competências políticas e técnicas estabelecidas para a Secretaria de Prêmios e Apostas não comportam o atendimento da decisão neste quesito, pois os dados específicos do público de programas sociais, constituídos em banco de dados específicos, estão sob responsabilidade de outras pastas", aponta.
O órgão ressaltou que o impedimento do uso de recursos sociais em apostas dependeria da colaboração de outros ministérios, como o Desenvolvimento e Assistência Social e a Previdência Social, responsáveis pelo gerenciamento das contas dos beneficiários.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social também destacou que as contas bancárias utilizadas pelos beneficiários do Bolsa Família não são exclusivas para os recursos do programa, o que torna impossível identificar a origem dos valores movimentados.
“Dessa forma, percebe-se que a SENARC não dispõe de meios técnicos para impedir que os valores do PBF depositados em uma conta bancária sejam utilizados para fins específicos (como para apostas de quota fixa)”, afirma.
O Banco Central, por sua vez, admitiu que seria tecnicamente viável proibir o uso de cartões de débito para apostas, mas reconheceu que essa medida teria eficácia limitada. Em ofício encaminhado à AGU, o órgão explicou que
"as apostas poderiam continuar sendo realizadas por outros meios de pagamento, tais como cartões pré-pagos, Pix, TED e transferências intrabancárias", diz.
Diante dos desafios apresentados, a AGU ressaltou que a implementação das medidas exigidas pelo STF exige prazos adequados e um esforço conjunto entre diversas áreas do governo para superar as barreiras operacionais.