Deputado gasta R$ 22 mil da cota parlamentar em posto de empresária alvo da CPMI
Em cada mês, de fevereiro a junho, Éder Mauro usou mais de R$ 2 mil da cota em posto de Ananindeua (PA)
Guilherme Resck
Protagonista de um bate-boca com a relatora, no último mês, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas de 8 de janeiro, o deputado federal bolsonarista Delegado Éder Mauro (PL-PA) usou R$ 21.747,02 da cota parlamentar, neste ano, para compra de produtos num posto em Ananindeua (PA) que tem como sócia-administradora uma mulher alvo de quebra de sigilo pela comissão.
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Levantamento realizado pelo SBT News com base nos dados de gastos com a cota disponibilizados pela Câmara dos Deputados mostra que, em todos os meses de fevereiro a junho, Éder Mauro teve despesas do tipo combustíveis e lubrificantes no Posto Vitória Eireli, localizado no km 3 da Rodovia BR-316. A sócia-administradora do local é Francisca Alice de Sousa Reis. Em 11 de julho, a CPMI do 8 de janeiro aprovou um requerimento de autoria da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), para que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) envie o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) de Francisca Alice, referente ao período de 1º de janeiro de 2019 até 7 de julho de 2023.
Segundo o requerimento, as informações solicitadas têm por objetivo subsidiar os trabalhos da CPMI na medida em que faz parte do escopo delimitado no plano de trabalho a investigação de possíveis financiadores das atividades que culminaram com o ataque de 8 de janeiro.
"As informações e os documentos disponibilizados a esta CPMI revelam que o senhor George Washington de Oliveira Sousa não tinha capacidade financeira para suportar as despesas de sua estadia em Brasília, nem para adquirir o arsenal de que tinha posse ao ser preso no dia 25 de dezembro de 2022. O veículo utilizado por George Washington para chegar até Brasília estava registrado em nome do Posto Cavalo de Aço. Francisca Alice é sócia administradora do referido Posto", acrescenta.
George Washington é o gerente de postos de combustíveis bolsonarista condenado por tentativa de atentado a bomba perto do Aeroporto Internacional de Brasília em dezembro de 2022. No Posto Cavalo de Aço, localizado em Xinguara (PA), fica o Cavalo de Aço Empório Gourmet, aberto pelo filho dele. No dia 11 de julho, a CPMI aprovou um requerimento da senadora Eliziane Gama também para que o Coaf envie o RIF do primeiro local, referente ao período de 1º de janeiro de 2019 até o último dia 7. A justificativa do pedido é a mesma: o veículo utilizado por George Washington para ir a Brasília estava em nome da empresa.
O deputado Éder Mauro não teve despesa em nenhum desses estabelecimentos em Xinguara neste ano e no ano passado, conforme os dados de gastos com a cota. No Posto Vitória Eireli, entretanto, gastou R$ 2.800,01 em fevereiro de 2023, R$ 4.600,00 em março, R$ 4.812,00 em abril, R$ 4.724,00 em maio e R$ 4.811,01 em junho. Em 2022, foram R$ 2.800,00 em janeiro, R$ 3.186,50 em fevereiro, R$ 3.021,00 em abril, R$ 3.111,01 em maio, R$ 3.206,90 em junho, R$ 3.094,97 em julho e R$ 3.800,00 em dezembro, totalizando R$ 22.220,38.
Desde o início do seu primeiro mandato como deputado federal, em 2015, ele usou a cota para aquisição de produtos do tipo combustíveis e lubrificantes em apenas dois locais: o Posto Vitória Eireli e o Super Posto Dois Mil Ltda, que fica em Marituba (PA) e do qual Francisca Alice de Sousa Reis é sócia também. No segundo, houve gastos antes de Francisca Alice se tornar sócia, o que ocorreu em 29 de dezembro de 2016, mas a maior parte foi depois - R$ 59.887,24 contra R$ 136.885,02.
A mulher é sócia-administradora do Posto Vitória Eireli desde 16 de setembro de 2020. Todos os gastos de Éder Mauro no local -- total de R$ 60.363,40 -- foram depois de ela começar a exercer o cargo.
A reportagem perguntou ao gabinete e à assessoria de imprensa do deputado se ele tem alguma relação com Francisca Alice, isto é, se a conhece e se são amigos, por exemplo, ou se o uso da cota nos postos dos quais ela é sócia é apenas coincidência, mas não houve retorno até a publicação. O espaço permanece aberto.
O SBT News tentou, ainda, contato por telefone com o Posto Vitória Eireli e com o Super Posto Dois Mil para perguntar se Éder Mauro conhece Francisca Alice, sem sucesso. O questionamento foi enviado por e-mail, mas não houve retorno até o momento.
Dos 17 deputados do Pará, apenas o integrante do PL, que é presidente do diretório paraense da sigla, usou a cota com constância em alguma das 21 empresas ativas da mulher, no período de janeiro de 2022 a junho de 2023. No caso, o Posto Vitória Eireli. A última vez que ele utilizou a cota no Super Posto Dois Mil foi em junho de 2021.
Por certidões de antecedentes criminais negativas de Éder Mauro disponíveis no sistema de divulgação de candidaturas e prestação de contas, da Justiça Eleitoral, é possível ver que o endereço onde o deputado morava ao menos no ano passado -- Rua Bacuri, Casa 43, Parque Verde, em Belém -- está a mais de 9 km de distância do Posto Vitória Eireli, e a mais de 16 km do Super Posto Dois Mil. O outro endereço em que ele informava, até 2018, morar -- CJ Cohab, Gleba III, Castanheira, Belém -- fica a mais de 6 km do primeiro estabelecimento e a mais de 11 do segundo. Ambos os postos são distantes também do diretório paraense do PL e de um local que aparece no Google como Comitê do Deputado Éder Mauro.
No ano passado, o parlamentar declarou à Justiça Eleitoral ter uma caminhonete, um ônibus e uma moto. Em 2018, um carro e uma moto. Em 2016, uma moto. E em 2014, nenhum.
Audiência pública
Em 30 de novembro do ano passado, Éder Mauro e George Washington, que utilizou o veículo registrado em nome do Posto Cavalo de Aço, estiveram em uma mesma audiência pública no Congresso Nacional. Ela foi realizada pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor, do Senado, e tinha a finalidade de discutir a fiscalização das inserções de propagandas politicas eleitorais. O deputado e o gerente de postos sentaram próximos um do outro. Depois, em determinado momento, George Washington ficou sentado ao lado de Éder Mauro e aplaudiu falas do parlamentar durante discurso deste.
CPMI
Éder Mauro não integra a CPMI do 8 de janeiro, mas compareceu a duas reuniões dela até o momento: a quarta, em 20 de junho, e a oitava, em 11 de julho. Na do mês passado, bateu-boca com Eliziane Gama durante a oitiva do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques. A confusão começou quando ela afirmou a Silvinei que estava fazendo uma pergunta pontual. Com o dedo em riste, o deputado gritou: "Ele já respondeu". A senadora, que estava na sua fala, insistiu e repreendeu o deputado: "Estou pedindo que o depoente responda, que ele não enrole. Não vou aceitar que parlamentar nenhum tente cercear a minha voz".
A relatora elevou o tom e dirigiu-se ao parlamentar: "Deputado, vossa excelência nem faz parte da comissão. Vai gritar em outra lugar. Respeite esta comissão, cale a sua boca. Não vou me submeter a esse tipo de agressão". Aos berros, Mauro retrucou: "Cale a boca não". Foi quando o deputado Arthur Maia (União-BA), presidente da CPMI, suspendeu a sessão por cinco minutos. "Nós não queremos pedir a nenhum parlamentar que se retire".
Na reunião de 11 de julho, após uma pergunta de Eliziane ao tenente-coronel Mauro Cid, o Delegado Éder Mauro exclamou: "Questão de ordem". Arthur Maia disse que ele que não podia fazer questão de ordem, por não ser membro. O deputado do PL, então, disse que a relatora estava "fazendo perguntas que não têm nada a ver". Em outro momento, Eliziane pediu a Arthur Maia e oposicionistas que advertissem o deputado Abílio Brunini (PL-MT) e Éder Mauro por comportamento no colegiado. O integrante do PL ainda discursou na reunião.
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"Vejo que é uma CPMI já com o relatório pronto, em que já está definida a direção em que ele vai. Eu não tenho a menor dúvida disso. Eu não vejo, por exemplo, aqui, as pessoas realmente responsáveis pelo que aconteceu no 8 de janeiro. Eu não vejo aqui o senhor G. Dias, que serviu água, que deu direção para alguns marginais que estavam lá, quebrando, antes de os patriotas chegarem", disse.
No ano passado, o SBT News mostrou que, no Pará, um assessor de Éder Mauro foi identificado como uma das lideranças de um protesto antidemocrático em frente ao 2º BIS. Na manifestação do dia 1ª de novembro foram feitos registros de Sandro Nascimento Ferreira Branco discursando. "Durante o levantamento de campo também foram verificados alguns indivíduos que exerciam o controle e orientavam o comportamento dos manifestantes presente no movimento, inclusive autorizando ou não as pessoas a convocarem INTERVENÇÃO MILITAR e/ou FEDERAL", registra documento reservado da polícia.
Segundo o documento, Sandro Branco "é secretário parlamentar do gabinete do deputado federal Éder Mauro, sobre o teto de um carro de som e segurando a bandeira do Brasil, incitava os manifestantes e exclamava palavras de ordem ao microfone". Ele continua exercendo a função no gabinete.